Ateliębrasil


Entrevista dada por Consuelo de Paula

Por Fábio Lucas

Será que a manipulação de substâncias químicas de alguma forma lhe inspirou a pôr no mesmo recipiente compostos aparentemente díspares da cultura brasileira? Você por acaso estava atrás de uma fórmula para a nossa música popular?

Pensei no CD como se fosse uma obra, tal qual um filme de curta metragem. Isto me fez buscar e sentir certa homogeneidade. O CD responde a um conceito único e definido, inspirado pela brasilidade. Talvez a estética que encontrei para as canções tenha respeitado algumas leis farmacêuticas. A fórmula é particular, pois é fruto da minha intuição.

Você disse certa vez que o CD era uma "leitura popular do popular". Por que?

O repertório está inserido no universo da cultura popular brasileira, rompendo barreiras do tempo e de denominações acadêmicas. Os arranjos e a maneira como canto são herdeiros da nossa tradição e, claro, contemporâneos. A leitura é extremamente popular, brasileira e sutil.

Ao abranger composições tão diversas no tempo e no espaço, e ainda assim apresentar um conjunto harmonizado, Samba, Seresta & Baião parece de fato descobrir uma unidade na MPB. Que unidade é essa? Qual o fio que une as canções do disco?

Estes três grandes universos, nossas três grandes almas, encontram sua unidade no desenho do país, na terra, na história, nas heranças e caminhos. Na admiração diante do belo. Por isso escolhi uma sonoridade suave e transparente.

O segundo CD já está na cabeça, como estava o primeiro, ou agora você acha que vai levar mais tempo para definir um repertório?

Quando a criação do primeiro CD começou, já pensei em uma trilogia. O repertório do segundo já está praticamente definido, mas não tenho pressa, pois quero amadurecer a obra antes de registrá-la. Estou compondo algumas canções que falam justamente sobre a simbologia e grandiosidade deste trio e, por que não dizer, deste triângulo.

O conceito de miscigenação, da raiz musical que se elabora e molda a cara do Brasil, é muito forte neste trabalho. Você pretende preservar esta linha conceitual daqui pra frente, ou tem uma nova pesquisa em mente?

Pretendo manter exatamente a mesma linha conceitual. Adorei a pergunta, você realmente compreendeu profundamente o meu CD. Este tipo de troca me alivia como fosse um bálsamo preparado por um bom farmacêutico.

O que mudou na sua expectativa profissional e na perspectiva de conquista de público e de mercado, do momento em que você produziu seu próprio lançamento, até agora?

Quando comecei a produzir "Samba, Seresta & Baião", minha expectativa era o aprendizado imenso e solitário. O retorno que obtive, tanto do público quanto da crítica, foi fundamental para a minha certeza de não estar louca, a certeza de que havia feito algo bonito não só para mim.

Você deixou uma profissão presumidamente consolidada e estável para abraçar a carreira artística, que em nosso país está mais para sacerdócio, sobretudo no início. Ultrapassada esta fase, com uma imagem positiva já formada junto à crítica especializada, como você enxerga hoje aquela decisão, e a transição pessoal que teve que atravessar? Foi difícil transpor a fronteira do emprego para a vocação? O que você diz aos jovens (ou àqueles que são como você era, artistas meio enrustidos) que buscam inspiração no seu caminho?

Acho que não tive opção, pois abracei esta carreira por absoluta necessidade, por não conseguir fazer qualquer outra coisa. Não sei se por medo ou coragem. Talvez seja de fato a minha religião. Talento e vocação são duas questões distintas e, quando elas fazem parte do artista, não há como fugir ou como não ser. A inspiração é a paixão pela canção e a necessidade de comunicá-la, de expressá-la, de traduzi-la. O curso do rio. O coração.